Recordações de vidas passadas

Uma teoria embasada na genética molecular.

É comum que cidadãos leigos assistam, nos canais de comunicação de massa, a reportagens onde se discute e até se demonstra regressões a vidas ou encarnações passadas, muitas das quais mostrando psicólogos hipnotizando pacientes e fazendo com que eles descubram, em sua vida passada ou em sua “outra encarnação”, as causas para os males que os afligem no momento.

Muitos acreditam piamente na reencarnação, encarando-a como um dogma intangível e ininteligível, enquanto uma grande parcela dos ouvintes e da própria população prefere não discuti-la.

Os grandes estudiosos do Espiritismo admitem que, ao falecer uma pessoa, sua alma se desprende do corpo e reencarna em outro que está sendo gerado pela fecundação naquele exato momento. Ou então, a alma fica vagando por um espaço ou por um tempo até que lhe seja destinado um corpo apropriado.

Se essa teoria for verdadeira, a regressão a vidas passadas se baseia, então, na existência de uma alma imortal que passa de corpo em corpo e de geração em geração através do tempo e do espaço.

No entanto, se a teoria espírita não for verdadeira, e não é isso o que se está discutindo aqui, ainda assim é possível admitir que certas recordações e lembranças que ocorram durante o sono ou em uma sessão de hipnose possam ser frutos de outras vidas, de outros corpos em outros tempos. Para se pensar nisso, basta analisar a teoria da estrutura do DNA proposta por J. D. Watson e F. H. C. Crick em 1953, na qual apregoavam que o DNA seria formado por duas cadeias polinucleotídicas complementares que se enovelavam uma na outra, assumindo a forma de uma dupla hélice.

Cada uma dessas cadeias era constituída por uma sequência de nucleotídeos. Cada nucleotídeo, por sua vez, era constituído por uma base nitrogenada (purina ou pirimidina) ligada a uma pentose (desoxirribose) e a um grupo fosfato (PO4). Esses nucleotídeos estariam unidos por uma ligação fosfodiéster que os uniria às pentoses de nucleotídeos adjacentes. As duas cadeias de polinucleotídeos se manteriam ligadas por pontes de hidrogênio que uniriam as bases nitrogenadas da cadeia oposta.

Esse modelo permitiu concluir que a duplicação do DNA deveria ser resultante de um mecanismo aparentemente simples. Duas hipóteses foram elaboradas para explicar esse mecanismo:

  1. Hipótese da duplicação conservativa: Admitia que a dupla hélice original de algum modo orientava a formação de uma nova molécula, mantendo-se intacta. Assim, após a duplicação, ter-se-ia uma molécula velha e uma nova de DNA.
  2. Hipótese semiconservativa: Afirmava que, se o DNA era composto por duas fitas complementares, podia-se supor que cada uma delas funcionava como molde para a confecção de uma nova fita complementar, depois que fossem rompidas as pontes de hidrogênio que ligavam os nucleotídeos de ambas as fitas.

A segunda hipótese prevaleceu quando, em 1958, Meselson & Stahl publicaram os resultados de uma pesquisa cuja finalidade era esclarecer qual das duas hipóteses explicava melhor a duplicação do DNA.

Cepas de bactérias Escherichia coli foram cultivadas por várias gerações em meio de cultura contendo o isótopo N15 (nitrogênio 15), mais pesado que o nitrogênio normal (N14). Como as bases nitrogenadas incorporam o nitrogênio do meio para compor suas moléculas, o DNA das células cultivadas naquele meio (N15) terá densidade maior que o das cultivadas em meio de nitrogênio normal (N14). Em seguida, as bactérias marcadas com N15 foram colocadas para crescer em meio contendo nitrogênio normal (N14). Quando submetidas à centrifugação em gradientes de equilíbrio por densidade, a duplicação conservativa apresentaria moléculas com dois gradientes de densidade: uma mais pesada (N15/N15) e outra mais leve (N14/N14). Por outro lado, a duplicação semiconservativa formaria moléculas com um único gradiente de densidade (N14/N15).

Os resultados do experimento de Meselson & Stahl mostraram-se compatíveis com a hipótese da duplicação semiconservativa, pois, ao final de algum tempo de experimentação, obtinham-se apenas moléculas com gradiente de densidade N14/N15, não aparecendo moléculas com outros gradientes.

Assim, pode-se dizer de maneira simplificada que as duas fitas da molécula original se separam e cada uma copiará uma fita nova complementar. As duas moléculas resultantes da duplicação são formadas por uma fita nova e uma fita velha. Nessas fitas velhas podem estar contidas todas as informações da célula que as originou.

A questão é justamente essa: se o DNA se duplica de maneira semiconservativa, formando uma nova molécula que contém uma fita nova e uma velha, então é possível que essa fita velha contenha as informações que codifiquem a formação dos núcleos cerebrais e possua códigos de memória visual, auditiva e cognitiva, ou de situações vividas por outra ou até outras pessoas que já a tenham recebido em outras fecundações. Essa cadeia velha pode chegar a um determinado espermatozoide que a recebeu durante a espermiogênese, podendo inseri-la no ovócito no momento da fecundação e, durante o pareamento dos cromossomos homólogos, a fita velha pode voltar a formar os núcleos da base cerebral, reimplantando as informações de outras vidas que ela esteja trazendo e, com isso, ao ser submetido a uma hipnose ou então durante um sonho, a pessoa pode se lembrar de coisas que outras pessoas possam ter vivido em outras vidas.

• Mas então, onde estas fitas poderiam se implantar?

Na escala evolutiva, o sistema nervoso dos animais se desenvolve a partir dos poríferos (esponjas marinhas), nos quais já existe um “sistema nervoso” constituído por nodos sensitivos dispersos pelo corpo do animal e interligados por feixes nervosos muito parecidos com os nervos dos animais superiores.

Os primeiros animais a apresentar um sistema nervoso central são os peixes, já entre os cordados (animais que apresentam a notocorda, mesmo que apenas na fase embrionária, como no caso dos humanos).

Nos peixes aparece apenas o arquicórtex, que comanda todas as funções orgânicas e instintivas do animal, sendo estas transmitidas através do genótipo dos pais aos alevinos (contradizendo a velha expressão “filho de peixe, peixinho é”; na verdade, “filho do peixe, alevino é”).

Nos anfíbios já aparece o paleocórtex e nos répteis já podem ser encontrados traços de neocórtex. Nas aves o neocórtex é um pouco mais evidente e nos mamíferos ele preenche grande parte dos hemisférios cerebrais. No homem, o arquicórtex aparece no hipocampo, o paleocórtex no giro para-hipocampal, enquanto o neocórtex preenche as demais regiões do cérebro, indo desde o giro do cíngulo (centro das emoções e comportamentos cognitivos) até a zona cortical exterior, onde são comandados os sentidos (tato = giro pré-central; dor, frio, calor, etc. = giro pós-central; audição = giro temporal; fala = giro frontal; visão = giro occipital).

Está provado que o arquicórtex está envolvido com os comportamentos instintivos, que são transmitidos geneticamente, pois são inerentes a uma espécie — a humana, no caso.

O paleocórtex lida com informações mistas, tanto aprendidas como transmitidas geneticamente, e o neocórtex lida essencialmente com informações aprendidas, sendo nessa zona do cérebro que se processam os estímulos elétricos eliciadores dos movimentos que dependem do aprendizado (agarrar, soltar, correr, bater, escrever, pensar, racionalizar, raciocinar), bem como está envolvido também com a percepção da dor, do frio, do tato, e etc. Poderíamos facilmente dividir o cérebro humano da seguinte forma, utilizando as teorias da psicanálise, o Behaviorismo, a bioenergética e demais áreas da psicologia:

  • Arquicórtex = inconsciente.
  • Paleocórtex = pré-consciente.
  • Neocórtex = consciente.

Observando um bom livro de neuroanatomia, poder-se-á notar que o hipocampo se comunica com o parahipocampo através da fímbria do hipocampo, e o parahipocampo se comunica com o giro do cíngulo através do istmo do giro do cíngulo.

Pois bem, as lembranças mais profundas, aquelas que marcam a vida das pessoas e também aquelas ditas como “de outras encarnações”, ficam armazenadas no inconsciente e, portanto, no arquicórtex. Mas eis que o ser humano desenvolveu seu cérebro, assim como os outros animais, a partir do arquicórtex, em direção ao neocórtex, sendo essa a diferença principal entre o animal humano, o Homo sapiens sapiens, e os demais animais.

Como é o arquicórtex quem comanda os instintos e os comportamentos inatos de sobrevivência, e sendo ele também programado apenas a partir de informações genéticas, ele pode simplesmente trazer as fitas cromossômicas que contêm códigos de memórias de situações vividas por ancestrais em outras vidas, não se devendo confundir com outras “encarnações” do ponto de vista espírita.

Outro ponto que reforça esta teoria é o fato de o indivíduo, ao nascer, já possuir comportamentos instintivos e inatos, como sugar, chorar, etc., observados por Weismann em 1883, quando este formulou sua Teoria da Continuidade do Plasma Germinativo, na qual defendia que os pais transmitiam seu “plasma germinativo — a parte imortal dos seres vivos” aos filhos via gametas sexuais. Sabe-se atualmente que o plasma germinativo de Weismann nada mais é que os cromossomos sexuais do homem ou da mulher.

O exposto é apenas uma teoria que fica aberta à discussão de todos os interessados.

Referências Bibliográficas

GARDNER, E., SNUSTAD, D. P. Genética. 7a ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1986.

LESSNAU, R. Estrutura do DNA. In: Natureza e Função do Material Genético. Curitiba : Editora da UFPR, 1996. (software)

LESSNAU, R. A Duplicação do DNA. In : Natureza e Função do Material Genético. Curitiba : Editora da UFPR, 1996. (software)

Vladimir Antonini

Curirtiba, 12 de dezembro de 1997
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